Em meados de 2003, aos 17 anos, dentro de um consultório
médico.
- Você tem câncer
de mama!
- Doutor, eu tenho
chances de cura?
- Você acertou na
loteria de traz pra frente, agora é se tratar.
Sai daquela sala consternada e com lágrimas nos olhos.
Atravessei a Avenida 9 de Julho sem olhar para os lados, sem
ninguém do meu lado pra me dar a mão, pra me amparar.
Pensamentos borbulhavam na minha cabeça e eu só queria achar
novamente o chão que acabara de perder.
E foi ali que eu acordei para uma nova vida, uma nova
experiência que nunca passou pela minha cabeça vivenciar.
Naquela noite minha casa se encheu de gente, pessoas que eu
não via há algum tempo foram pessoalmente pra me acalmar, e eu tampouco
entendia tudo aquilo, na verdade eu só queria chorar sozinha, e assim o fiz por
vários dias.
Alguns meses depois do choque entrei na sala de cirurgia,
naquele momento eu não sabia se sairia mutilada parcial ou totalmente e após o
término daquilo tudo terminei feliz, foi me tirado apenas ¼ da mama esquerda.
Foram 2 cirurgias, 12 sessões de radioterapia, 8 sessões de
quimioterapia, 12 injeções hormonais na barriga e 5 anos de tratamento com um
remédio que me fez conhecer os sintomas da menopausa com apenas 18 anos, sim, eu
tive menopausa antecipada e senti todos os sintomas, como: calores, calafrios, falta de libido, alteração
de humor, entre outros...
Foi justamente nessa fase que eu, ciente do comportamento que
meu corpo apresentava, em uma consulta de rotina, perguntei de forma calma ao
meu médico:
- Doutor, no
futuro, após tudo isso passar, poderei ter um filho?
Obviamente aquela era somente uma questão que estava sem
resposta na minha cabeça, eu precisava perguntar por que tinha um
relacionamento sério com um namorado de adolescência, e queria saber a verdade,
mas a resposta veio de forma dolorosa:
- Se preserve
daqui a alguns anos você até poderá engravidar, mas pense nessa criança, você
vai querer ter um filho e deixa-lo aqui sozinho, pro mundo criar? Não né? Então
se eu fosse você descartava essa opção.
Mais uma vez eu saia arrasada de um consultório médico, na
primeira vez com o diagnóstico, e da segunda, colocou-se em cheque o meu maior
sonho da vida, ser mãe.
Durante os meus tratamentos, encontrei histórias e histórias,
pessoas e soldados, encontrei médicos que me devolveram o ar, encontrei céticos
que me tiraram o sono encontrei os que não acreditavam, e os que tinham fé, os
que superaram e os que partiram, os que me injetaram medo e os que me
devolveram a esperança...
Após todo o tratamento, ainda convivi alguns anos com a
menopausa antecipada e aos poucos tudo foi se normalizando.
Foi em 2013, que o inesperado aconteceu, após sentir um mal
estar e ir ao médico recebi outro diagnóstico, dessa vez de VIDA, eu estava
grávida.
O Nickolas embora não tenha sido programado, foi muito
esperado e amado, seu nome tem origem grega (níke significa “vitória”,
e laos significa “povo”), do qual
resulta " povo vitorioso ou vitória do povo”.
Foi uma gestação tranquila, gostosa e eu não consegui
amamentá-lo com os dois seios, eu até tentei, mas o seio operado só possuía
metade do bico e isso não foi suficiente para satisfazer o mocinho. Com garra e
muita persistência, consegui amamentar com um seio só até ele completar 9 meses, e essa é de fato uma das coisas que
mais me orgulho em contar nessa vida.
Hoje, meu vitorioso tem 3 anos e meio, é minha maior prova
de que tudo depende de nosso comportamento perante as previsões negativas e as
dificuldades.
Meu amor de adolescência e eu completamos 15 anos de parceria
agora em 2016, e a ele devo minha gratidão, foi na mão dele, na da minha mãe e
na da minha sogra linda que eu apertei quando não enxerguei nada adiante ou
quando pensei que fosse cair.
Acho que 70% de meus amigos não sabem que tive CA, nunca
escrevi sobre e sempre pensei 2 vezes antes de contar. Sempre tive medo/vergonha
de qualquer rótulo de vítima, porém, nas
ocasiões em que julguei necessário
levar essa história somando
positivamente a alguém, eu o fiz sempre do meu jeito, de forma tranquila, sem alvoroço.
Muitas vezes já escutei o termo “guerreira”, sinceramente me
deixa sem graça, não consigo me encaixar nesse título, pois apenas briguei por
algo que não queria perder, que de direito era minha.
Sinto-me vitoriosa, é diferente, me sinto forte por ter dado
uma rasteira nas estatísticas, digo isso porque eu sempre fui a paciente mais
nova de todos os meus médicos, e até hoje, a cada exame de rotina ainda me
deparo com profissionais muito surpresos com minha história de CA de mama na
adolescência.
Sinto-me vitoriosa por ter amamentado (quem diria?), por ter
um filho maravilhoso (que é a criança mais carinhosa que já conheci), me sinto
a mulher mais feliz do mundo por ter apenas 32 anos e uma história de amor de
15, em um mundo onde tudo se tornou tão banal, inclusive relações.
Essas coisas sim me enchem de orgulho.
Orgulho-me por ter poucos e BONS amigos.
Orgulho-me por ter uma pequena GRANDE família.
E sou grata por cada dia que amanhece e feliz por tudo o que eu conquistei, não peço nadinha a Deus, não tenho nem coragem, só agradeço e agradeço, claro que se ele quiser desenhar ainda mais a minha história da forma linda com que fez, fica a cargo dEle, mas não peço, só devolvo-lhe minha gratidão eterna.
Bem vindo, Outubro.
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